Crítica: O Jogo da Imitação

O Jogo da Imitação (The Imitation Game - 114 minutos) é uma excelente biografia do matemático Alan Turing, interpretado com perfeição pelo ator Benedict Cumberbatch. O longa aborda três momentos da vida de Turing: a adolescência, durante a Segunda Guerra e os últimos anos de sua vida. O filme é uma adaptação do livro “Alan Turing: The Enigma”, escrito pelo matemático Andrew Hodges, dirigido por Morten Tyldum.

O filme é imperdível sob vários aspectos. Primeiro, para quem é da área de computação, poder acompanhar um pouco da vida e do trabalho daquele que é considerado o "pai do computador" e criador do primeiro computador digital (Von Neumann levou a fama com um modelo criado em Princeton que leva o seu nome, mas as máquinas de Turing contém os princípios básicos do funcionamento dos computadores). Para quem não é do ramo, mesmo assim é muito interessante ver como uma equipe de matemáticos, criptógrafos e linguistas foi decisiva para ganhar a Segunda Guerra Mundial. O filme é cheio de frases de efeito, que vão lhe fazer refletir bastante durante horas, ou dias, ou mais do que isso. E, por último, o filme tem uma função social de mostrar à sociedade a perda para a ciência e humanidade causada pelo preconceito e discriminação.

Os 3 períodos da vida de Turing no filme são intercaladas. A adolescência, no qual o personagem é interpretado por Alex Lawhter, é importante por alguns motivos: mostrar que o egocentrismo, arrogância, timidez, absoluta falta de modéstia e total genialidade de Turing são características de nascença; explicar como a paixão por criptografia entrou na sua vida; e o despertar de sua sexualidade por um colega de turma. Falar de sua sexualidade no filme infelizmente tem um contexto maior do que expor sua privacidade, irei falar mais sobre isso daqui a pouco.

O segundo período de sua vida é parte central do filme. Essa parte mostra como Turing e sua equipe construíram uma máquina para quebrar um código alemão considerado indecifrável. Este código, chamado Enigma, tinha trilhões de possibilidades de combinações e códigos e era alterado todos os dias, trabalho este impossível para a mente humana. Trabalhando em uma unidade britânica secreta disfarçada de fábrica de rádios, inicialmente sua postura anti-social dificulta seu relacionamento com seus colegas de equipe, mas aos poucos eles se unem para atingir o objetivo de sua missão.

Um personagem fundamental nesta etapa é a Joan Clarke (Keira Knightley), desacreditada numa época em que a "função" de uma mulher na sociedade não era especificamente ser uma criptógrafa mais inteligente e competente do que seus colegas. Clarke não apenas auxiliou Turing na tarefa de decifrar o código alemão, como também foi uma importante amiga, conselheira e companheira. Nos diálogos entre os dois, por mais de uma vez ouvimos a frase de efeito traduzida mais ou menos como "Às vezes, as pessoas que menos esperamos fazem coisas que nunca imaginamos". Turing foi chefe da seção HU8, responsável pela criptoanálise da frota naval alemã, e seu trabalho e de sua equipe foi mantida em segredo de todos por décadas.

Matemática, criptografia, Teorema de Euler, Tesla, diagonalização, inteligência artificial... Se você nunca ouviu falar ou fugiu dessa área a vida toda, não importa. Essas informações estão lá para satisfazer as pessoas da área de exatas, no sentido de "viu como isso serve para alguma coisa?", mas nada é abordado em um nível técnico que vá fazer você ficar sem entender nada. Se você terminou o filme sem ter entendido como a máquina construída funciona, também não se preocupe. Quem sabe você tenha curiosidade suficiente para ler alguns artigos científicos da área e tome gosto pela computação.

O próprio nome do filme, o "jogo da imitação", é o nome de um dos artigos mais famosos de Turing, explicada por alto no filme e que pode te fazer ficar algumas horas pensando no assunto homens versus máquinas. Uma pena apenas o filme não abordar a famosa máquina de Turing (publicada em 1936), uma fita que contém símbolos de um alfabeto e que pode resolver qualquer tipo de problemas, seguindo algumas regras (qualquer semelhança com os computadores modernos não é nenhuma coincidência). O filme apenas cita que Turing foi contratado pela agência secreta britânica devido ao sucesso desse artigo.

‘As máquinas podem pensar?’
 Isso deve começar com definições do significado dos termos "máquina" e "pensar". As definições podem ser enquadradas de forma a refletir tanto quanto possível o uso normal das palavras, mas essa atitude é perigosa, pois se o significado das palavras "máquina" e "pensar" são definidos pela maneira como elas  são comumente usadas é difícil concluir que o entendimento do significado é a resposta para a pergunta... Em vez de tentar uma definição desse tipo, proponho substituir a questão por uma outra... A nova forma do problema pode ser descrita em termos de um jogo que chamamos de 'jogo de imitação' http://www.loebner.net/Prizef/TuringArticle.html


Como dito anteriormente, a homossexualidade de Turing foi outro ponto-chave de sua biografia. Ele foi perseguido e chantageado a vida toda por este detalhe pessoal. Em uma época que isso era considerado um crime no Reino Unido, Turing foi alvo de um processo criminal em 1952. Para não ser preso, aceitou um tratamento de dois anos de castração química como "cura" ou "pena" por sua opção sexual. Turing morreu em 1954 após ingestão de uma maçã envenenada com cianeto. Embora alguns dizem ter sido acidental, a tese oficial é de que Alan cometeu suicídio por não aguentar a pressão e o sofrimento causados pelos efeitos químicos. Tão revoltante em saber que um dos maiores gênios morreu dessa forma, é saber que em dezembro de 2013 (!), a Rainha Elizabeth II concedeu o "perdão real" a Turing, por sua condenação por homossexualidade. Que este filme traga o reconhecimento que ele merece.


P.S. Diz uma lenda que a maçã envenenada foi uma "homenagem" a Branca de Neve, que Turing adorava, e que o famoso logo da maçã da Apple tenha sido uma homenagem de Steve Jobs ao verdadeiro pai da computação.

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